13 novembro 2006

OS NOVOS CONDES D’ABRANHOS

Na “PESSOAL” de Julho de 2006, Filipe Seita Duarte glosava sobre a figura do Conde d’Abranhos, personagem literária criada por Eça de Queirós no romance com o mesmo nome, e que ilustra o político típico da monarquia parlamentar do séc. 19. Eleito cerca de 1850 deputado por Freixo de Espada à Cinta, lugar onde nunca tinha estado nem viria nunca a conhecer, tendo anos mais tarde sido nomeado Ministro da Marinha, apesar de detestar o mar e nada saber de tais artes, percurso que terminou com a concessão pelo Rei em 1860 do título de Conde d’Abranhos.
Eça ao longo do romance, ilustra genialmente as suas qualidades de “mentiroso”, “incompetente”, “oportunista”, “traidor sem escrúpulos”, e como tais “dotes” eram os talhados para o exercício do poder e para singrar na vida política no período do constitucionalismo monárquico do séc. 19.
Como Seita Duarte bem sublinha mais de um séc. passado, ao lermos hoje o romance Eça constatamos curiosamente que o actual sistema político funciona em tudo idêntico ao do séc. 19, com dois partidos a alternarem-se no poder (à semelhança dos dois partidos do constitucionalismo monárquico), governantes, deputados – todos sósias do Conde d’Abranhos nas suas virtualidades de «incompetência», «oportunismo», «mentira» e «traição» - clientelas políticas à espera de empregos, subsídios e de negociatas escuras e, como não podia deixar de ser, igualmente o mesmo desprezo pelo povo.
Parece que a única diferença é que a governação é feita agora civilizadamente e com o aplauso dos cidadãos, através de um instrumento inexistente à época – a “Televisão”, onde num dia, os novos Condes d’Abranhos peritos em finanças explicam como resolvem a questão das finanças públicas originada pelos próprios depois (de todos eles) terem gerido sucessivamente a pasta das finanças, noutro, novos e diferentes Condes d’Abranhos fazerem de comentadores debitando análises pretensamente objectivas da realidade política como se nada tivessem a ver com ela, e ainda noutro, vermos de uma assentada cinco novos Condes d’Abranhos, saídos directamente do parlamento, «verborreiando» sobre os problemas causados por eles próprios.
Triste País este, onde volvido mais de um séc., a realidade política permanece imutável, principalmente naquilo que possui de mais vil, torpe, sórdida e mesquinha ...
CA