13 setembro 2007
FLEXI-SEGURANÇA À PORTUGUESA – longe da dinamarquesa e próximo da chinesa !
Em crónica anterior tentamos demonstrar da impossibilidade da adopção do modelo de “flexi-segurança dinamarquês” (combinação da flexibilidade de despedir com a segurança no (des)emprego) às relações de trabalho em Portugal, tendo em conta a inexistência no nosso país de um conjunto de pressupostos nos quais assenta o sucesso do modelo dinamarquês – forte carga fiscal correspondente a 49 % do PIB, geralmente bem aceite e “culturalmente” cumprida pela população dinamarquesa desde os empresários aos trabalhadores, um montante de despesas públicas consagradas às políticas do mercado de trabalho de 4,4 % do PIB, o valor mais elevado da Europa, atribuição de subsídios de desemprego correspondentes a 90% do último salário (cujo valor médio mensal é de 2.000 €), um período médio de 14 dias entre a perda do emprego e a entrada num novo emprego, à mais elevada taxa de sindicalização da União Europeia (80% da população activa está sindicalizada) e um processo decisório e de aplicação de medidas em domínios como os das condições de trabalho, políticas de formação ou das reformas estruturais do mercado de trabalho, baseadas nas “convenções” estabelecidas entre os parceiros sociais, havendo um primado quase absoluto da contratação colectiva sobre a lei do trabalho.
A recente publicação do “Relatório de Progresso” da Comissão do Livro Branco das Relações Laborais, faz-me voltar ao tema.
O conjunto de medidas propostas pela Comissão, de entre as quais se podem realçar a flexibilidade do despedimento individual (diminuição substancial do prazo para a interposição da acção judicial de impugnação do despedimento, alargamento do âmbito do despedimento por inadaptação aos casos em que esta seja antecedida de alterações na estrutura funcional do posto de trabalho mesmo que tal não decorra de modificações tecnológicas ou dos equipamentos, aumento dos obstáculos à reintegração mesmo quando o trabalhador ganhe a acção), a redutibilidade da retribuição por “fundamentos objectivos”, a diminuição do período de férias e do montante do subsídio de férias ao ser expurgado de tudo o que não seja a retribuição base, a redução do limite mínimo de descanso de uma ou duas horas para meia-hora após cada cinco horas de trabalho (deve ser para ajustá-lo à saudabilíssima prática do “fast food” globalizado, eliminando esse mau hábito português de comer sentado, talheres em punho e guardanapo ao colo), a possibilidade de extensão do regime prolongado do trabalho aos fins-de-semana, a previsão da adopção dos denominados “horários concentrados” (2 ou 3 dias de trabalho prolongado, seguido de 2 ou 3 de descanso, respectivamente), apontam todas elas no sentido da tão reclamada “flexibilidade”, com a consequente diminuição dos direitos dos trabalhadores conquistados nos últimos 30 anos.
Mas quando olhamos o documento à procura da “segurança”, apenas encontramos o vazio, pelo que parece que a Comissão propõe que os trabalhadores ofereçam tudo a troco de nada.
Com efeito, o proposto pela Comissão (esta defende-se que só a questão da “flexibilidade” se relaciona com a legislação laboral, enquanto a “segurança” diz respeito a políticas do mercado do trabalho, argumento, que valha a verdade, não nos convence, porque existem matérias como por ex. as do trabalho a “recibos verdes” ou dos contratos a prazo que a Comissão podia ter abordado no âmbito do seu mandato e não o fez) parece ser o de reduzir o custo de cada hora trabalhada ao longo do ano, rapando rendimento em tudo onde for possível aos 3 milhões de trabalhadores dependentes, de uma forma sibilina e sem que isso provoque um escândalo intolerável na sociedade portuguesa.
Naturalmente, na defesa do documento e precavendo o clamor das centrais sindicais (CGTP e UGT, até ao momento, mantêm-se unidas na rejeição do documento), o ministro Vieira da Silva veio desde logo atirar com o ónus duma futura rejeição da “flexi-segurança” para cima das confederações sindicais, com a afirmação de que estas, ao contrário das suas congéneres europeias, estão fora do mundo ao colocarem-se contra a adopção deste modelo.
Independentemente de se ter esquecido do facto de que as poucas (nórdicas) confederações europeias que o fizeram, terem assinado acordos profundamente diferentes do “modelo português” ora preconizado, a afirmação revela bem a natureza “neoliberal” deste governo, pois se é verdade que em Portugal se reconhece a existência de sindicatos empedernidos e relutantes a qualquer mudança (em qualquer caso, não será demais realçar a advertência de Poul Rasmussen, pai do conceito e antigo Primeiro-ministro da Dinamarca, de que “avançar com a flexi-segurança sem os sindicatos é impossível”), também é verdade que temos um patronato cego pelo lucro rápido e surdo aos direitos de quem contrata, bem evidenciado pelas posições assumidas pela CIP elogiando o trabalho da Comissão, mas considerando que as propostas ficam aquém do necessário, exigindo desde logo a revisão do art.º 53.º da Constituição no sentido da eliminação da proibição dos despedimentos sem justa causa.
E para se perceber que não estamos a exagerar, veja-se o recado deixado pelo insuspeito governador do Banco de Portugal ao ministro Vieira da Silva (Público, 12/07/2007): “o modelo de flexi-segurança dinamarquês não pode ser importado do pé para a mão para Portugal, recordando as diferentes características dos dois países, nomeadamente o nível muito elevado dos subsídios de desemprego, do grau de sindicalização e da negociação colectiva que existe na Dinamarca”, tendo por isso avisado que “devemos olhar com desconfiança para a migração de modelos, lembrando que a flexi-segurança implica uma maior flexibilidade do mercado de trabalho, mas também exige que haja condições do outro lado da balança que levem as pessoas a aceitar a flexibilidade”.
No fundo, esperemos que a flexi-segurança à portuguesa, cujo modelo andará certamente muito longe do dinamarquês, não desemboque em algo parecido como o “modelo chinês” de trabalho flexível, desregulamentado, de salários baixos e sem quaisquer direitos.
A recente publicação do “Relatório de Progresso” da Comissão do Livro Branco das Relações Laborais, faz-me voltar ao tema.
O conjunto de medidas propostas pela Comissão, de entre as quais se podem realçar a flexibilidade do despedimento individual (diminuição substancial do prazo para a interposição da acção judicial de impugnação do despedimento, alargamento do âmbito do despedimento por inadaptação aos casos em que esta seja antecedida de alterações na estrutura funcional do posto de trabalho mesmo que tal não decorra de modificações tecnológicas ou dos equipamentos, aumento dos obstáculos à reintegração mesmo quando o trabalhador ganhe a acção), a redutibilidade da retribuição por “fundamentos objectivos”, a diminuição do período de férias e do montante do subsídio de férias ao ser expurgado de tudo o que não seja a retribuição base, a redução do limite mínimo de descanso de uma ou duas horas para meia-hora após cada cinco horas de trabalho (deve ser para ajustá-lo à saudabilíssima prática do “fast food” globalizado, eliminando esse mau hábito português de comer sentado, talheres em punho e guardanapo ao colo), a possibilidade de extensão do regime prolongado do trabalho aos fins-de-semana, a previsão da adopção dos denominados “horários concentrados” (2 ou 3 dias de trabalho prolongado, seguido de 2 ou 3 de descanso, respectivamente), apontam todas elas no sentido da tão reclamada “flexibilidade”, com a consequente diminuição dos direitos dos trabalhadores conquistados nos últimos 30 anos.
Mas quando olhamos o documento à procura da “segurança”, apenas encontramos o vazio, pelo que parece que a Comissão propõe que os trabalhadores ofereçam tudo a troco de nada.
Com efeito, o proposto pela Comissão (esta defende-se que só a questão da “flexibilidade” se relaciona com a legislação laboral, enquanto a “segurança” diz respeito a políticas do mercado do trabalho, argumento, que valha a verdade, não nos convence, porque existem matérias como por ex. as do trabalho a “recibos verdes” ou dos contratos a prazo que a Comissão podia ter abordado no âmbito do seu mandato e não o fez) parece ser o de reduzir o custo de cada hora trabalhada ao longo do ano, rapando rendimento em tudo onde for possível aos 3 milhões de trabalhadores dependentes, de uma forma sibilina e sem que isso provoque um escândalo intolerável na sociedade portuguesa.
Naturalmente, na defesa do documento e precavendo o clamor das centrais sindicais (CGTP e UGT, até ao momento, mantêm-se unidas na rejeição do documento), o ministro Vieira da Silva veio desde logo atirar com o ónus duma futura rejeição da “flexi-segurança” para cima das confederações sindicais, com a afirmação de que estas, ao contrário das suas congéneres europeias, estão fora do mundo ao colocarem-se contra a adopção deste modelo.
Independentemente de se ter esquecido do facto de que as poucas (nórdicas) confederações europeias que o fizeram, terem assinado acordos profundamente diferentes do “modelo português” ora preconizado, a afirmação revela bem a natureza “neoliberal” deste governo, pois se é verdade que em Portugal se reconhece a existência de sindicatos empedernidos e relutantes a qualquer mudança (em qualquer caso, não será demais realçar a advertência de Poul Rasmussen, pai do conceito e antigo Primeiro-ministro da Dinamarca, de que “avançar com a flexi-segurança sem os sindicatos é impossível”), também é verdade que temos um patronato cego pelo lucro rápido e surdo aos direitos de quem contrata, bem evidenciado pelas posições assumidas pela CIP elogiando o trabalho da Comissão, mas considerando que as propostas ficam aquém do necessário, exigindo desde logo a revisão do art.º 53.º da Constituição no sentido da eliminação da proibição dos despedimentos sem justa causa.
E para se perceber que não estamos a exagerar, veja-se o recado deixado pelo insuspeito governador do Banco de Portugal ao ministro Vieira da Silva (Público, 12/07/2007): “o modelo de flexi-segurança dinamarquês não pode ser importado do pé para a mão para Portugal, recordando as diferentes características dos dois países, nomeadamente o nível muito elevado dos subsídios de desemprego, do grau de sindicalização e da negociação colectiva que existe na Dinamarca”, tendo por isso avisado que “devemos olhar com desconfiança para a migração de modelos, lembrando que a flexi-segurança implica uma maior flexibilidade do mercado de trabalho, mas também exige que haja condições do outro lado da balança que levem as pessoas a aceitar a flexibilidade”.
No fundo, esperemos que a flexi-segurança à portuguesa, cujo modelo andará certamente muito longe do dinamarquês, não desemboque em algo parecido como o “modelo chinês” de trabalho flexível, desregulamentado, de salários baixos e sem quaisquer direitos.
CA
Crónica publicada no Portal RHonline