Existirá em Portugal uma cultura da meritocracia?
A resposta até pode parecer óbvia, no sentido afirmativo, se nos cingirmos às palavras dos nossos auto-proclamados políticos e gestores que acham que repetir a palavra mágica «meritocracia» lhes confere credibilidade instantânea para fazer o julgamento dos outros.
O elemento fundador da meritocracia é o mérito, ou seja, a necessidade de numa sociedade as funções serem exercidas pelos melhores, por aqueles que têm mais talento e que o obtêm pela competição e pela selecção, não pela herança ou pela pertença a uma determinada classe, mas antes como consequência do princípio da igualdade de oportunidades, pelo que se analisarmos bem a realidade nacional sobre este prisma, facilmente se percebe que a «meritocracia» parece ser hoje apenas uma outra versão da desigualdade que caracteriza em geral a sociedade portuguesa.
Realmente, basta um simples olhar para a composição dos conselhos de administração e de direcção das principais empresas, dos aparelhos político-partidários, das grandes sociedades de advogados, dos corpos docentes das universidades, das redacções da imprensa escrita, rádios e televisões, etc., etc. para se constatar que o reconhecimento não é feito através do mérito – enquanto aptidão e valor moral e intelectual que deve presidir às relações sociais que se instituem numa sociedade – mas mediante as relações e referências pessoais, familiares e profissionais de proximidade.
Diria que em todas estas organizações, mais do que a meritocracia, o que impera é um misto de «plutocracia» (em que a riqueza determina as habilitações e as qualificações e o «status» do futuro) e de «aristocracia» (na qual o que conta são os nomes herdados), em que o princípio da igualdade de oportunidades não funciona e de uma tal forma que aqueles que não têm sucesso, nem sequer se queixam de os de cima não os terem deixado, da falha de oportunidades ou até da simples falta de sorte, quase sendo obrigados a concluir que falharam apenas e exclusivamente por culpa própria e de que nenhuma espécie de esforço os pode fazer chegar lá – a mais «cruel» das desigualdades existentes na nossa sociedade.
Demonstrativo simples do que acabo referir, são os dados do INE, apontando que em Portugal do 1,5 milhão de postos de trabalho – cerca de 28% de um total dos 5,1 milhões de empregos existentes no terceiro trimestre de 2005 – foram conseguidos com recurso aos contactos pessoais e por intermédio de pessoas conhecidas, e não através de processos de recrutamento e selecção profissionalizados.
A «cunha», agora pomposamente rotulada de «network pessoal e profissional», continua a ser determinante e ainda a forma mais eficaz de recrutamento, razão porque além da “plutocracia” e da «aristocracia» há a acrescentar também aquilo que designaria por “cunhocracia”, constituídos nos três pilares essenciais do (não)reconhecimento do mérito em Portugal.
Apenas numa actividade em Portugal o mérito prevalece em absoluto, em desintonia com os cânones tradicionais da cultura vigente do (de)mérito, e que é curiosamente o «futebol».
Realmente, em nenhuma outra área de actividade do nosso país, senão no futebol, era possível a um Cristiano Ronaldo, descendente de uma humilde e pobre família originária da ilha da Madeira, atingir o topo do futebol mundial com base apenas nas suas competências e potencialidades futebolísticas. Na actividade futebolística pode ter-se tudo, nome de família, mesmo de aristocrata, riqueza, e tudo o mais, mas se não tiver dotes futebolísticos (se não “tratar bem a rendondinha e for perna de pau” como dizem os nossos irmãos brasileiros) nada feito.
O futebol tem a melhor – senão a única – grelha de avaliação perfeita da valorização do trabalho e do mérito, em que os respectivos profissionais submetidos em permanência ao esforço, risco e competição, justificam diariamente e em permanente exposição diante de milhares de adeptos, a justiça dos salários que auferem com a certeza de que não os manterão indefinidamente se não fizerem prova contínua de os merecerem.
Quantos gestores que se blindam nas suas administrações para se perpetuarem nos cargos, podem garantir tal qual como um futebolista que os salários ou os prémios anuais auferidos correspondem exactamente ao valor acrescentado às empresas ?
Neste aspecto, o da avaliação e premiação do mérito, o futebol tem muito a ensinar à economia, às empresas e à sociedade em geral.
CA
A resposta até pode parecer óbvia, no sentido afirmativo, se nos cingirmos às palavras dos nossos auto-proclamados políticos e gestores que acham que repetir a palavra mágica «meritocracia» lhes confere credibilidade instantânea para fazer o julgamento dos outros.
O elemento fundador da meritocracia é o mérito, ou seja, a necessidade de numa sociedade as funções serem exercidas pelos melhores, por aqueles que têm mais talento e que o obtêm pela competição e pela selecção, não pela herança ou pela pertença a uma determinada classe, mas antes como consequência do princípio da igualdade de oportunidades, pelo que se analisarmos bem a realidade nacional sobre este prisma, facilmente se percebe que a «meritocracia» parece ser hoje apenas uma outra versão da desigualdade que caracteriza em geral a sociedade portuguesa.
Realmente, basta um simples olhar para a composição dos conselhos de administração e de direcção das principais empresas, dos aparelhos político-partidários, das grandes sociedades de advogados, dos corpos docentes das universidades, das redacções da imprensa escrita, rádios e televisões, etc., etc. para se constatar que o reconhecimento não é feito através do mérito – enquanto aptidão e valor moral e intelectual que deve presidir às relações sociais que se instituem numa sociedade – mas mediante as relações e referências pessoais, familiares e profissionais de proximidade.
Diria que em todas estas organizações, mais do que a meritocracia, o que impera é um misto de «plutocracia» (em que a riqueza determina as habilitações e as qualificações e o «status» do futuro) e de «aristocracia» (na qual o que conta são os nomes herdados), em que o princípio da igualdade de oportunidades não funciona e de uma tal forma que aqueles que não têm sucesso, nem sequer se queixam de os de cima não os terem deixado, da falha de oportunidades ou até da simples falta de sorte, quase sendo obrigados a concluir que falharam apenas e exclusivamente por culpa própria e de que nenhuma espécie de esforço os pode fazer chegar lá – a mais «cruel» das desigualdades existentes na nossa sociedade.
Demonstrativo simples do que acabo referir, são os dados do INE, apontando que em Portugal do 1,5 milhão de postos de trabalho – cerca de 28% de um total dos 5,1 milhões de empregos existentes no terceiro trimestre de 2005 – foram conseguidos com recurso aos contactos pessoais e por intermédio de pessoas conhecidas, e não através de processos de recrutamento e selecção profissionalizados.
A «cunha», agora pomposamente rotulada de «network pessoal e profissional», continua a ser determinante e ainda a forma mais eficaz de recrutamento, razão porque além da “plutocracia” e da «aristocracia» há a acrescentar também aquilo que designaria por “cunhocracia”, constituídos nos três pilares essenciais do (não)reconhecimento do mérito em Portugal.
Apenas numa actividade em Portugal o mérito prevalece em absoluto, em desintonia com os cânones tradicionais da cultura vigente do (de)mérito, e que é curiosamente o «futebol».
Realmente, em nenhuma outra área de actividade do nosso país, senão no futebol, era possível a um Cristiano Ronaldo, descendente de uma humilde e pobre família originária da ilha da Madeira, atingir o topo do futebol mundial com base apenas nas suas competências e potencialidades futebolísticas. Na actividade futebolística pode ter-se tudo, nome de família, mesmo de aristocrata, riqueza, e tudo o mais, mas se não tiver dotes futebolísticos (se não “tratar bem a rendondinha e for perna de pau” como dizem os nossos irmãos brasileiros) nada feito.
O futebol tem a melhor – senão a única – grelha de avaliação perfeita da valorização do trabalho e do mérito, em que os respectivos profissionais submetidos em permanência ao esforço, risco e competição, justificam diariamente e em permanente exposição diante de milhares de adeptos, a justiça dos salários que auferem com a certeza de que não os manterão indefinidamente se não fizerem prova contínua de os merecerem.
Quantos gestores que se blindam nas suas administrações para se perpetuarem nos cargos, podem garantir tal qual como um futebolista que os salários ou os prémios anuais auferidos correspondem exactamente ao valor acrescentado às empresas ?
Neste aspecto, o da avaliação e premiação do mérito, o futebol tem muito a ensinar à economia, às empresas e à sociedade em geral.
2 Comments:
Olá
Por motivos académicos fiquei interessado neste comentário. Será que me poderia enviar um mail com o local dd retirou os dados do INE sobre os postos de trabalho que apresenta neste post? Cumprimentos josefigueira@hotmail.com
Belo texto, parabéns!
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