29 junho 2006

CONSTANTE HISTÓRICA

Três transcrições das Cartas Políticas de João Chagas:
O governo annuncia reformas, o governo faz leis. No Parlamento e na imprensa ainda as discutem; mas a opinião, que não tem logar nem no parlamento nem na imprensa, não se dá já a esse trabalho. Pergunte v. a um popular de Lisboa se sabe da existencia de um projecto de lei eleitoral? Encolherá os ombros. N'outro tempo, chamava-se a isto indifferença. Hoje não é indifferença. É o propósito de voltar as costas. A opinião arrumou as inhstituições. Só pensa n'ellas para as destruir. (4 de Abril de 1910).
De homens sem sinceridade e desejando apenas o poder para tirar d'elle força e proveito, nada ha a esperar. Alguns esperam d'elles alguma coisa? - Se alguma coisa esperam, não colhem senão decepções. Logo que attingem o poder, o pensamento unico d'esses homens é manterem-se n'elle, agarrarem-se a elle com todas as suas forças, embora á custa de todas as apostasias e contradicções. Foi o caso de João Franco; é o caso de todos. Não ha em Portugal um só homem publico que deixe o poder por uma questão de principios. Desacreditam-se? desprestigiam-se? deshonram-se? Para esses homens, o que é deshonra é deixar o poder - cahir. (25 de Julho de 1910).

[...] Porque o Estado, em Portugal, não tem a força que vem da solidariedade da opinião, a qual, ao contrario, acompanha e applaude todos aquelles que o combatem. O disparate dos que, a proposito de todos os actos de auctoridade, citam o exemplo da França, vem de que, para estes brutamontes, auctoridade é synonimo de força, quando na realidade só o é de força moral. O principio da auctoridade em França tem a força moral que lhe vem da auctoridade moral do Estado. O principio da auctoridade, no nosso paiz, é desacompanhado de toda a auctoridade moral. O Estado tem a força bruta do poder constituido, mas não tem outra. Por isso tyrannisa e tudo quanto faz em nome da auctoridade de que está investido, é tyrannia. Os cidadãos vivem junto d'elle n'um estado permanente de revolta e não o reconhecem senão para o odiar na pessoa de todos os seus representantes, desde o mais alto até o mais humilde, desde o rei até o policia. E como não seria assim! Nenhuma sociedade, a mais aviltada, reconhece como boa a auctoridade de um Estado de flibusteiros e esse é o nosso. (19 de Agosto de 1910).

AMM