27 junho 2006

POVO, NOBRE POVO

"Não há nada mais difícil do que endireitar a sombra de uma vara torta"
(provérbio árabe).
Mesmo para os crentes de qualquer religião, nem sempre será fácil esperar e crer que Deus(es) baixe(m) prodígios que torçam o Sol para endireitar a sombra de vara torta, ou contratorçam esta para, ao menos em dias de Sol, medir o tempo que falta e urge para (re)crer em Portugal.
Faça Sol, chuva, nevoeiro (não sebastiânico!), procuram-se factos a que possa arrimar-se a vontade de (re)crer em Portugal. Mas o que se lê e vê e ouve? Migalhas de valores, grãos ínfimos de coragem, lealdade, solidariedade, ante o ribombar frenético de notícias que enfeitam fossas de acidentes, adversidades, angústias, bestialidades, calamidades, chagas, desaires, desditas, desventuras, escaramuças, fatalidades, grosserias, horrores, infortúnios, jactâncias, libertinagens, misérias, negaças, ódios, poluições, ruínas, tragédias, últimas vaidades e xaropadas de zombeteiros que guinham como saguis, julgados orangotangos, se e quando "aparecem" na TV... E os que nesta imperam, de facto, ditam dores, regras, modas a milhões de dependentes do banco, da cadeira ou do sofá, engolindo telejornais de hora e meia e contendo, a custo, o arroto do desejo de, um dia, poder "aparecer" na pantalha para, enfim, "existir"! Cogito ergo sum é velharia de um tal Descartes que descartou a sentença por ignorar o que viria a ser a televisão... Pensar, porquê e para quê? Pergunta o povão imundo e grosso ou o povinho matreiro. Isso dá dinheiro e poder para "aparecer" na TV? O Povo, o nobre Povo, o que vai restando dele, quase clandestinamente ainda pensa que valerá a pena juntar migalhas de coragem, lealdade, solidariedade para (re)crer em Portugal, (re)pensando-o.
AMM