23 agosto 2007

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DESEMPREGO E GLOBALIZAÇÃO

O relatório da Organização Internacional do Trabalho recentemente divulgado por aquela organização intitulado "Tendências Mundiais do Emprego em 2007" e que pode ser visto na íntegra, no “site” da organização em http://www.ilo.org , é bem revelador do quadro negro do desemprego a nível mundial.
Ressalta desde logo do documento, que o mundo nunca teve tantos desempregados, pelo menos desde que as estatísticas os registam, tendo o número dos que não têm emprego atingido em 2006, os 195,2 milhões de pessoas, correspondendo a uma taxa de desemprego global de 6,3% - no final de 2006, segundo este relatório, havia 2,9 mil milhões de pessoas a trabalhar, considerando a força de trabalho com mais de 15 anos.
Uma primeira e importante conclusão é a de que o elevado ritmo de crescimento da economia mundial (média anual de 4,1% na última década) está a criar novos empregos em todo o mundo, mas não a uma velocidade compatível com o crescimento populacional. Os cálculos da OIT mostram que entre 1996 e 2006, a globalização produziu mais de 400 milhões de postos de trabalho, num ritmo é superior a 40 milhões por ano, insuficientes, no entanto, para reduzir o desemprego no mundo, uma vez que apesar de mais pessoas terem trabalhado, o número dos que não têm emprego cresceu em números absolutos, ainda que ligeiramente: os desempregados passaram de 194,7 milhões em 2005, para os 195,2 milhões em 2006, enquanto que a taxa de desemprego quase não sofreu alterações: 6,3 por cento, face aos 6,4 por cento do ano anterior.
Efectivamente, em muitas regiões do mundo não houve mudanças significativas de um ano para o outro, tendo a redução mais significativa do desemprego ocorrido nas economias desenvolvidas e na União Europeia, onde baixou 0,6 e se fixou em 6,2 por cento. O valor mais baixo de desemprego continua a ser o do Leste asiático, com uma taxa de 3,6 por cento, e os índices mais elevados são os apresentados pelo Médio Oriente e Norte de África, com 12,2 por cento em 2006.
O Médio Oriente e o Norte de África são também as regiões onde é menor a percentagem de população empregada: 47,3 por cento em 2006, sendo o valor mais elevado registado no leste asiático, onde, apesar de uma descida de 3,5 por cento na última década - explicada por um aumento da escolarização - a percentagem de população empregada é a mais elevada: 71,6 por cento. Na União Europeia, a percentagem de população empregada é de 56,7 por cento.
Infere-se, pois, que o crescimento económico mundial da última década se reflectiu muito mais no aumento da produtividade do que na criação do emprego, como o ilustram os seguintes números: crescimento de 26 por cento na produtividade contra apenas 16,6 por cento no emprego.
Por outro lado, e esse é também um dado muito significativo do relatório, os jovens são os mais atingidos pela falta de trabalho: dos 86,3 milhões dos desempregados em 2006, cerca de 44 por cento do total, tinham entre 15 e 24 anos de idade.
As taxas de desemprego nos jovens são apenas a ponta do iceberg dos problemas que os jovens enfrentam no mercado laboral – a OIT estima que serão necessários 400 milhões de empregos produtivos para aproveitar o potencial da juventude actual - e não oferecem uma imagem completa dos desafios por enfrentar.
A incapacidade das economias para criar empregos produtivos além de gerar um défice de oportunidades de trabalho e altos níveis de incerteza económica, está a desperdiçar o potencial económico de uma parte da população, os jovens, que são os que menos deviam ser atingidos por isso.
O relatório revela ainda que mesmo no caso em que existe emprego tal não representa uma garantia de sustentabilidade económica para os jovens, uma vez que a pobreza, persiste em cerca de 56 por cento dos jovens trabalhadores, que se confrontam também com a possibilidade de ter largas jornadas de trabalho, contratos precários, salários baixos, protecção social reduzida ou inexistente, e um “preocupante" acréscimo do número de jovens que não trabalha nem estuda, nomeadamente em muitos países em desenvolvimento.
O relatório chama ainda a atenção para a persistência da tendência de manutenção do fosso entre homens e mulheres em matéria de emprego: no caso das mulheres, a percentagem das que tinham trabalho, que era de 49,6 por cento em 1996, está em 48,9 dez anos depois, enquanto a dos homens, na mesma década, diminuiu ligeiramente de 75,7 para 74,0 por cento, evidenciando que os desafios são maiores para as mulheres, principalmente porque nalgumas regiões, devido a tradições culturais, existem faltas de oportunidade para que a mulher possa combinar o trabalho doméstico com os mercados laborais.
Finalmente, no que toca aos salários, a OIT dá conta igualmente de números que impressionam pela sua crueza: 1,87 mil milhões de pessoas em todo o mundo ganham menos de 1,54 € por dia, abaixo do que é considerado como o limiar de pobreza, e destes 507 milhões ganhavam menos de um dólar por dia (77 cêntimos de €), boa parte vivendo no Sul da Ásia e na África subsariana, regiões onde estavam concentrados 348,2 milhões; os outros 1,37 mil milhões ganham menos de dois dólares diários (cerca de 1,54 €).
Neste aspecto, outro dos elementos importantes é o de que a globalização beneficia os salários intermédios: numa década (1996-2006) reduziu-se o número de trabalhadores que ganham um dólar por dia e manteve-se o de trabalhadores que ganham dois dólares diários.
Uma reflexão sobre o relatório da OIT leva-nos à consideração de que se a globalização trouxe evidentes aspectos positivos para a economia mundial – a existência de um mercado global sem grandes medidas proteccionistas com mais oportunidades de negócio para muitas empresas, e o consequente maior crescimento económico mundial – tal não parece traduzir-se em correspondentes vantagens para os trabalhadores, com retrocesso das condições de vida de grande parte deles, resultantes da realidade incontornável do desemprego, principalmente dos jovens e das mulheres.
Ainda assim, e acreditando paradoxalmente que este ainda é o melhor sistema, o único que pode genericamente funcionar e permitir o desenvolvimento da humanidade, a globalização não pode continuar a evoluir para um sistema incontrolável e caótico, nem tão-pouco esquecer que sendo a matriz deste sistema constituída por pessoas, se deveria pelo menos ponderar sobre as hipotéticas consequências desta degradação generalizada das condições de vida das pessoas.
CA
Crónica publicada no Portal RHonline